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A joalharia é rica em invocações e alusões a outras formas de arte de que, por exemplo, a arquitectura é um bem explorado caso, como recentemente se abordou na exposição “A Arquitectura Imaginária” no Museu Nacional de Arte Antiga (Dez. 2012 a Mar. 2013).
Todavia, tirando na pintura, a invocação da joalharia noutras formas de expressão artística é bem mais escassa. Na música, em particular, existem óbvias alusões a pedras, metais e jóias nas letras cantadas, mas nas obras completas em que a joalharia assuma um papel de relevo na estética há, pelo menos, uma que sobressai: o bailado “Jewels” de George Balanchine.
São várias ligações que se podem estabelecer entre o mundo da joalharia e o mundo da música. Porventura entre as mais óbvias, e porventura de menção incontornável, está a icónica “Diamonds Are a Girl’s Best Friend”, canção interpretada por Marilyn Monroe no filme musical “Os Homens Preferem as Louras”, de Howard Hawks, estreado em 1953. Também é famoso o anel de rubi que foi empenhado para levar a miúda ao concerto que havia no Rivoli da canção “Paixão (Anel de Rubi segundo Nicolau da Viola), tema editado em 1990 no quinto disco de estúdio de Rui Veloso, “Mingos & Os Samurais” que foi sêxtupla platina. Ainda, do mesmo músico, refira-se a letra de “O Ourives Mestre João” de Carlos Tê, canção que faz parte do sexto álbum do pai do rock português “Auto da Pimenta”, lançado em 1991, e que conta a história de Ian Vansteigoltist, um judeu, avaliador da Casa da Índia e autor de uma das mais famosas obras da ourivesaria em Portugal, o relicário da Rainha D. Leonor (ca. 1510) actualmente em exposição no Museu Nacional de Arte Antiga.
Com uma substância bem mais interessante, nos anos 60 materializou-se a ideia de se produzir um bailado em que a joalharia, e em particular algumas gemas, tivesse um papel estético nuclear em harmonia com a música. A ideia começou a ganhar corpo por um mero acaso que juntou Claude Arpels (1911-1990), sobrinho do fundador da centenária Casa francesa dos alvores do séc. XX Van Cleef & Arpels com sede na mítica Place Vêndome em Paris, e Georges Balanchine (1904-1983), o famoso coreógrafo natural de São Petersburgo e co-fundador do New York City Ballet, tido como das expressões mais relevantes do bailado contemporâneo mundial. O encontro foi em Nova Iorque, cidade para onde Balanchine se havia mudado desde 1933 e onde Claude Arpels vivia desde 1939, período em que a Casa se expandia para a América com a sua loja da 5ª Avenida. Logo se evidenciaram grandes cumplicidades artísticas entre eles, sendo ambos, também, confessos apaixonados por pedras preciosas. Deste relacionamento, que se foi consolidando, resultou o guião de um bailado onde os figurinos, ou seja, para todos os efeitos as bailarinas, eram jóias, curiosamente à semelhança, aliás, dos famosos alfinetes da Casa Van Cleef & Arpels (ver em baixo).
George Balanchine era conhecido pelos seus superiores conhecimentos musicais, tendo sido percursor do bailado abstracto onde o binómio música e movimento desempenhava um papel mais importante do que a cenografia ou figurinos. Este bailado que a sua companhia, a New York City Ballet, estreou em Abril de 1967 no New York State Theater, desenrola-se em três movimentos, cada um visualmente dedicado a uma gema e, a essa gema, uma associação a um compositor. Assim, no primeiro, as esmeraldas são dançadas ao som de extractos das obras Pelléas et Méllisade e Shylock de Georges Fauré (1845-1924), compositor francês mais conhecido pelo seu curto, mas emblemático, Requiem em ré menor. No segundo movimento, os rubis dão corpo ao som do Capriccio para piano e Orchestra do russo Igor Stravinsky (1882-1971), um dos preferidos de coreógrafo, e, no terceiro e último, os diamantes e o seu brilho materializam a coreografia em torno da Sinfonia nº 3, em Dó maior, do também russo Pyotr Ilyich Tchaikovsky (1840-1893). Sem qualquer tipo de enredo, este bailado é um interessante desafio onde três estilos musicais completamente diferentes são interpretados de forma também diversa, sendo o movimento enriquecido visualmente no palco com as três cores propostas para cada um dos actos.
Leta Biasucci e Jonathan Porreta, do Pacific Northwest Ballet, no acto Rubis ao som de Stravinsky do bailado Jewels de Balanchine. Foto Angela Sterling |
As Bailarinas Van Cleef & Arpels
Três bailarinas da colecção Ballet Précieux em ouro branco com diamantes em talhe rosa, rubis e esmeraldas, recuperando os figurinos do bailado de Belanchine © Van Cleef & Arpels |
Estas peças icónicas para a Casa tiveram o seu debute no início dos anos 40, nos Estados Unidos da América, por mão do designer Maurice Duvalet, John Rubel, o ourives chefe e Louis Arpels, irmão do fundador da firma e tio de Claude Arpels, que tinha uma manifesta paixão pela dança clássica e pela ópera. Rubis, esmeraldas e diamantes eram engastados em platina e davam cor e forma a pequenas bailarinas desenhadas em diferentes posições de dança clássica. A Casa mãe, na Place Vêndome em Paris, replicou o conceito para o mercado europeu, mas o metal predominante era o ouro amarelo e não a platina. A peça que aqui se ilustra, em ouro com rubis, foi feita em circa 1945 e é provavelmente de fabrico parisiense, já a imagem de abertura deste ensaio é manufactura norte-americana, datada de 1941, e, aliás, dos primeiros exemplares de que há registo.
Alfinete Bailarina em ouro e rubis,
ca. 1945, Van Cleef & Arpels
© Sotheby’s
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Em 2007 a Van Cleef & Arpels, em colaboração com o London Royal Ballet, celebrou 40º aniversário da estreia do bailado “Jewels” com o lançamento da sua colecção de alta-joalharia Ballet Précieux, sendo as esmeraldas, os rubis e os diamantes, tal como no ballet, as pedras mais importantes aqui utilizadas.
Mais recentemente, a Casa desafia o bailarino e coreógrafo francês Benjamin Millepied, actual director do Ballet de l’Opéra de Paris que se celebrizou pela sua colaboração no filme “Black Swan”, de Darren Aronofsky em 2010, a recriar o bailado “Jewels” de Balanchine. Daqui resultou uma triologia, denominda “Gems”, que o colectivo LA Dance Project estreou em 2013 em Paris com a sua primeira parte “Reflections”. Esta revisitação à obra de Georges Balanchine apresenta uma estética marcadamente contemporânea e conta com a colaboração de artistas de outras disciplinas, nomeadamente no campo da cenografia, onde se destaca a participação do famoso compositor norte-americano Phillip Glass que é o autor da música da segunda parte da triologia, com o título “Hearts & Arrows”. Temas como String Quartet No. 3 da banda sonora que o compositor criou para o filme “Mishima” de Paul Shrader, em 1985, aqui interpretado pelo Kronos Quartet, é um exemplo desta colaboração entre artistas de vanguarda e o universo da alta-joalharia que evoca e celebra o nome de George Balanchine.
in "Espiral do Tempo", no. 53, pp. 150-153 (Dez. 2015)
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