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A Era dos "Certificados" está a acabar?




Desde 1955 que os diamantes vão sendo, e cada vez mais, acompanhados por documentos a que se tem chamado de “certificados”. Existem razões diversas para a sua pertinência e, tanto profissionais como consumidores, recorrem a estes cada vez mais importantes instrumentos para apoiar a compra ou venda de diamantes. Mas será que estes documentos são uma garantia? Certificam, em rigor, algo irrefutável? Vamos explorar o assunto aqui neste artigo.


As origens

Nos EUA, na década de 1930, os joalheiros sentiam necessidade de criar uma linguagem comum na comunicação dos atributos de qualidade dos diamantes para melhor comunicar com o consumidor e gerar confiança nos produtos. Nesse sentido, a AGS - American Gem Society, fundada em 1934 por Robert Shipley (o também fundador do GIA - Gemological Institute of America em 1931) propôs um sistema onde quatro qualidades fundamentais do diamante eram categorizadas (o peso, a lapidação, a cor e a pureza). Poucos anos volvidos e o GIA percorria os EUA com acções de formação onde estes critérios eram apresentados e explicados aos joalheiros. Foi aí que surgiu a expressão “4 C’s”, mnemónica usada pelos alunos para memorizar os critérios (do inglês carat, cut, color e clarity).
Foi, todavia, apenas em 1953 que se sistematizou esta forma de comunicar as qualidades do diamante, tendo o GIA, por mão do seu então presidente Richard T. Liddicoat, introduzido o “International Diamond Grading System”, nome que ainda hoje designa o sistema de classificação do diamante do GIA. Em 1955 eram emitidos os primeiros “Diamond Grading Reports”.

Richard T. Liddicoat (1918-2002), o homem por trás do sistema de classificação do diamante do GIA. Imagem © GIA

O que são os “certificados”?

Os relatórios a que se tem chamado de certificados são documentos emitidos por entidades independentes (não interessadas na comercialização) dotados de diversos sistemas de segurança anti-cópia e que dão informações quanto à natureza da amostra (e.g. diamante natural, diamante sintético), à sua descrição genérica (e.g. peso em quilates, dimensões em milímetros, estilo e forma da lapidação) e, por fim, quanto à sua qualidade, no que à cor, pureza e lapidação (proporções, simetria e polimento) diz respeito. A estas informações, juntam-se, naturalmente, a identificação completa da entidade emissora, a data e um número de referência. Podem constar outros dados (e.g. diagramas, fotografia, espectro de absorção nos infravermelhos, espectro de fotoluminescência) e, em regra, não se listam as propriedades gemológicas do diamante (e.g. dureza, densidade relativa, índice de refracção, dispersão, sistema e classe cristalográfica, fórmula química). Outro dado muito importante, é que nunca apresentam valor pecuniário (e.g. avaliação ou preço de mercado) e são sempre relativos a pedras soltas, quer estas estejam soltas ou entretanto já engastadas numa jóia.

O que é que estes documentos certificam?

Os dois primeiros atributos dos documentos, a identificação da amostra e a sua descrição, baseiam-se em critérios universais. A identificação da amostra é efectuada com base em critérios científicos da mineralogia, adaptados à gemologia, determinando-se a sua natureza como diamante e sem prejuízo para a hoje obrigatória verificação se trata de um diamante tratado ou de um diamante sintético (procedimento que é efectuado com metodologias avançadas de diagnóstico).
No que diz respeito à sua descrição genérica, o peso é expresso em quilate métrico, ou simplesmente quilate (ct), uma unidade definida oficialmente em 1907 (equivalente a 0,2 g) e é medido numa balança de precisão com rigor, pelo menos, à milésima de quilate (apesar de poder ser expresso com duas casas decimais de rigor). As dimensões da amostra são determinadas por métodos rigorosos (actualmente com recurso a tecnologias 3D) e as medições são apresentadas em milímetros, com rigor à centésima. Por fim, o estilo de lapidação que, salvaguardando-se as designações de marca registada e patenteada, é apresentado de forma genérica e a sua forma (contorno) é, também, algo de universal (e.g. redondo, oval, rectangular).



Do que ficou expresso em cima, todas estas informações (identificação da amostra e descrição genérica) podem ser recolhidas por técnicos diferentes em alturas e locais diferentes, e, no fim, regista-se sempre uma repetibilidade e consistência dos resultados obtidos. Por outras palavras, estas informações, no que à metodologia de análise e nomenclatura dizem respeito, são de carácter universal. Isto quer dizer que, admitindo o devido rigor nos procedimentos de teste em laboratório, um documento que contenha apenas estas informações atesta, de forma absolutamente irrefutável, que o que lá está é, digamos, verdade em todo o Mundo. Consultando o dicionário, podemos dizer que um documento destes é um Certificado: por estar certo, por certificar, por atestar e por garantir que é verdade.


Diamond (grading) reports ou “certificados”?

Os diamond grading reports, a que se tem chamado de certificados, não são meros relatórios de identificação gemológica de uma amostra de diamante ou diamante sintético em que se descreve o seu peso, dimensões e forma. Não obstante neles constarem essas informações, que foram abordadas no ponto anterior, existem aqui outras que são de carácter qualitativo. E o que se quer dizer com qualitativo? Simplificando, estas informações dão graus, classes, categorias ou classificações a certas características visuais apuradas com determinados critérios de observação. Falamos, obviamente, da cor, pureza e qualidade de lapidação (proporções, simetria e polimento) dos diamantes.
Para a elaboração de um diamond report, um laboratório segue um protocolo de procedimentos e de condições de observação, critérios de qualificação bem definidos e regras de nomenclatura pré-definidas e a isto se chama Sistema de Classificação (Grading System). Acontece que cada um destes laboratórios, ou grupo de laboratórios, tem o seu próprio sistema de classificação, com protocolos, critérios e nomenclatura próprias. Conclui-se que, ao contrário das informações do peso e das medições, estas já não são universais nem comunicadas de maneira uniforme. Por outras palavras, são matéria de opinião.

Existe uma norma ISO para os diamantes (ISO 18323:2015), elaborada para encontrar uma plataforma comum para a classificação (grading) do diamante, mas que tem pouco impacto real no mercado mundial.

Esta foi sempre uma questão relevante no sector e, em 2015, a CIBJO - The World Jewellery Confederation e o IDC - International Diamond Council acordaram na publicação de uma norma ISO para a classificação do diamante (ISO 18323:2015). Todavia, o seu alcance no mercado foi muito modesto, dada a expressão essencialmente europeia destas organizações no que à classificação do diamante lapidado diz respeito. A norma passou, de facto, ao lado do mercado que é essencialmente dominado pelo GIA, IGI, EGL, IIDGR (recentemente criado em 2016) e AGS (nos EUA), tendo cada um destes laboratórios o seu próprio sistema de classificação. O HRD, que segue as regras do IDC, e o SSEF, que segue as regras da CIBJO, estão conforme as referidas determinações.
O que daqui resulta é que a mesma pedra pode ser classificada, ou qualificada, de forma diferente de laboratório para laboratório, com diferentes nomenclaturas ou, como por vezes sucede, com a mesma nomenclatura mas significados diferente, o que gera confusão no mercado e nos consumidores.
Em rigor, portanto, os diamond grading reports não certificam nem atestam que a informação que neles consta está certa e que é, irrefutavelmente, uma verdade universal. Certificam sim, que o que neles consta está de acordo com a opinião, normas e sistema de classificação da entidade emissora que se rege por determinado sistema de classificação. Por maioria de razão, somos levados a concluir que, diamond reports ou diamond grading reports não são, strictum sensum, certificados.

E a garantia?

O consumidor e o profissional percepcionam estes documentos como uma garantia. Haveria muito para dizer sobre o assunto mas, o que aqui se vai colocar em questão é o facto de estes documentos darem, essencialmente, a garantia de que a classificação apresentada para o diamante está de acordo com as regras e sistema de classificação desse laboratório emissor.
O que interessa ao mercado é que essas regras, protocolos e sistema de classificação tenham credibilidade, consistência e reputação e que a entidade emissora actue em rigorosa observância com essas boas práticas. Uma das vertentes essenciais desta reputação é a transparência e, nesse particular, é importante que cada laboratório publique a informação pertinente relativa ao seu sistema de classificação e protocolos e condições de observação (e.g. consultar para o efeito, por exemplo, os sites do GIA, IDC e IIDGR onde estas informações são públicas).
No que concerne à reputação e credibilidade, têm vindo a ser relatados na imprensa internacional do sector artigos de opinião e estudos sectoriais onde se refere que existem laboratórios com mais reputação, consistência e procedimentos mais exigentes e restritivos e laboratórios com menor reputação de rigor e procedimentos menos exigentes ou permissivos. O mercado aí tem uma palavra a dizer e cabe essencialmente aos operadores económicos e, em última análise, aos consumidores de conhecerem estas realidades para saberem como validar um determinado documento como fiável.

A Era dos “Certificados” está a acabar?

A procura de diamond reports está a crescer, não só devido à proliferação de diamantes sintéticos e tratados de difícil detecção, como também em virtude dos diferenciais significativos de preço entre os diamantes. O crescimento da oferta de diamantes e de joalharia na internet, onde não há um profissional treinado para auxiliar presencialmente o cliente numa compra, tem ajudado na procura destes documentos para sustentar decisões de compra (situação, todavia, que merece todas as cautelas e conhecimento de como proceder às desejáveis verificações).
A Era destes documentos está, portanto, bem presente no mercado actual e considera-se bem sólida e em franco crescimento. O que está a acabar, e deverá acabar, é a apenas a utilização da palavra “certificado” para designar estes documentos e, ao mesmo tempo, começar a educar o consumidor ou parceiro de negócio para o real significado dos diamond reports como relatório de opinião reputada e não como uma garantia ou atestado de verdades universais. É do maior interesse do sector abandonar a expressão “certificado” e começar a utilizar os diamond reports (ou diamond grading reports) de forma mais eficiente e proveitosa, promovendo a desejável confiança do consumidor no sector e nos produtos com diamantes. Nesse preciso espírito, em 2016 a CIBJO deliberou o abandono da expressão “certificado” de todas as suas normas sectoriais, em particular no sector diamantário, pelo que a Era da palavra “certificado” tem, desejavelmente, os dias contados no mundo do diamante. 

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